10/10/14 - Caraguá Beach
.

Vozes do Litoral


“O sonho da minha vida era trabalhar neste serviço (gari). Eu nasci e me criei na roça, no sol e na chuva, sou nordestina. No meu coração, com esse serviço aqui, eu me sinto na roça” 

Poderia ser mais uma quarta-feira qualquer. Eu poderia ter ido ao trabalho e voltado, e percorrido o caminho sem dar muita atenção às pessoas pela cercania, mas não foi. Isso porque me deparei com a dona Angela Maria Santana, uma baiana, de 50 anos – expressados no rosto - que estava de uniforme alaranjado, chapéu de palha e com uma vontade imensa de falar.

Com raízes em Jeremoabo no interior da Bahia, cerca de 400 km de Salvador, atualmente trabalha como gari em São Sebastião, no litoral norte de SP. “Posso ouvir sua história?”, foi a célere pergunta que fiz. Dona Angela, com toda simpatia do mundo, me respondeu: “Meu menino, se eu fosse lhe contar minha história teríamos que conversar um dia inteiro”.

Mãe de nove filhos e avó de 12 netos, mora há seis anos em São Sebastião, e conta que foi criada na roça, casou-se aos 15 anos e permaneceu com o mesmo homem por 28 anos. “Eu morava num sítio. Tinha que trabalhar na plantação, plantando e colhendo, pegando na enxada, fazendo buraco, dia e noite”.

Enquanto conversávamos, ela não hesitou em continuar trabalhando, colhendo cada pedaço de papel e bituca de cigarro do chão, mesmo após eu retirar o gravador do bolso e registrar cada palavra dita.

Não foi preciso muito esforço para ouvir a história da Angela, pois parecia que ela estava esperando minha visita há anos, e queria me contar tudo de uma vez. Talvez ela gostasse mesmo de falar, ou talvez nunca teve alguém que a quisesse ouvir.

Com pouco mais de cinco minutos de conversa, dona Angela receou a voz, e por detrás dos óculos antigos, seus olhos começaram a lacrimejar. “Olha filho, eu vou falar uma coisa pra você. De coração. Eu já sofri tanto, mas tanto na minha vida. Meu ex-marido me trocou por uma garota de 15 anos, mas mesmo assim eu me pergunto como Deus pode ser tão maravilhoso em minha vida? Eu criei meus filhos com muito amor e sempre trabalhei”.

A gari disse que já foi diarista, trabalhou em restaurante, em empresa de ônibus, e hoje afirma que é muito mais feliz em comparação à vida que tinha no interior da Bahia. A baiana contou que às vezes chegava a ganhar apenas R$100 reais trabalhando o mês todo em Jeremoabo. Os R$ 724 reais que dona Angela ganha hoje como gari, são suficientes para não deixar morrer a esperança de ter seus nove filhos reunidos. “Eu só quero comprar minha casinha e trazer todos os meus filhos para morar comigo. Cinco deles já estão aqui em São Paulo, agora só falta convencer os outros quatro”.



Arquivado em:   , ,